quarta-feira, 14 de maio de 2008

40 anos do Maio de 68: reflexões sobre espontaneidade e organização


O ano de 1968 foi sacudido por grandes mobilizações da juventude e dos trabalhadores em todo o mundo. Diversas lutas eclodiram em todos os cantos, tendo sobretudo jovens trabalhadores e estudantes, como seus protagonistas. 1968, foi o ano dos Panteras Negras e das mobilizações contra a invasão do Vietnã pelos EUA, de lutas estudantis e operárias na Alemanha, Itália, Bélgica, Espanha, Japão e Canadá, que questionaram o sistema capitalista e a dominação burguesa.

Além disso, as agitações na Polônia, na Iugoslávia e, sobretudo, na Tchecoslováquia, cenário da Primavera de Praga interrompida brutalmente pela invasão soviética em agosto daquele ano, colocaram em cheque também a burocracia dos Partidos Comunistas e os regimes do leste europeu.

No “terceiro mundo” também explodiam mobilizações: Egito, Senegal, México, Chile, Argentina e, evidentemente, Brasil. Em nosso país, 1968 deixou várias marcas, a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, o 1° de Maio na Praça da Sé, em São Paulo, e foi em 68 também que a Ditadura Militar decretou o Ato Institucional n° 5 (AI-5), restando aos lutadores e militantes de esquerda a opção pelo enfrentamento armado contra o regime.

Mas foi na França, mais especificamente no mês de maio, que explodiu um processo de lutas entre a juventude e os trabalhadores que abalaram o país por algumas semanas. Foram greves, ocupações, manifestações, barricadas, enfrentamentos e lutas de rua que se alastraram por toda a França e colocaram o governo em cheque.

Nas universidades e nas fábricas, luta operária-estudantil

Em 1968 a França era um país abalado pela crise. A revolta que estourou ao contrário de ser uma simples obra do acaso, é fruto de um processo histórico, de uma profunda crise que vivia a França desde 1945, após a sua “libertação” com o fim da 2° Guerra Mundial.

No plano político, vivia um regime semi-ditatorial do General De Gaulle, tinha perdido suas principais colônias, Argélia e Vietnã, envolvendo-se em guerras de efeitos desastrosos. No plano econômico também se enfrentava um quadro bastante crítico: baixos salários, grandes jornadas de trabalho, um alto nível de desemprego, falta de habitação e infraestrutura, etc. A própria constatação desta crise, joga ralo abaixo a tese de que a revolta de 68 foi apenas motivada pela busca de liberdade da juventude.

No sistema educacional a crise também se refletia. Nas universidades não haviam vagas, principalmente para os filhos de operários e camponeses que chegavam. Situação que leva o Ministro da Educação a anunciar uma reforma no sistema de ensino, que introduziria exames de seleção, hierarquização dos estudantes e desqualificação de diplomas de várias faculdades. E foi esta a faísca que acendeu a bomba da revolta entre a juventude francesa.

É neste clima que aflora o movimento de Maio de 68. Os estudantes levantam barricadas nas ruas e são duramente reprimidos pela CRS (troque de choque da polícia francesa). Em paralelo a isso, estouram grandes greves em diversas empresas importantes. Uma marcha de estudantes e trabalhadores, que reúne cerca de 1 milhão de pessoas faz o governo do General De Gaulle recuar.

Diversas faculdades são ocupadas pelos estudantes, a Sorbonne torna-se um local de intensos debates e atividades, assim como Censier (Faculdade de Letras da Universidade de Paris) e diversas outras faculdades e escolas. As greves operárias se generalizam, cerca de 9 milhões dos trabalhadores da França estando parados (dois terços da força de trabalho naquele momento), muitos destes ocupando as fábricas, a revelia do reformismo da CGT (maior central sindical da França à época), controlada burocraticamente pelo Partido Comunista Francês (PCF), alinhado com Moscou.

Constituem-se os “comitês de ação dos trabalhadores e estudantes”, a agitação nas fábricas mesmo reprimida pela direção da CGT constrói um amplo sentimento de solidariedade entre os trabalhadores e estudantes. O PCF, que a todo momento vai jogar contra o movimento é sumariamente refutado pelos estudantes, mas consegue manter seu controle burocrático (através da CGT) em boa parte das fábricas, sufocando as lutas. Segundo seus dirigentes, não haviam condições para uma “revolução socialista”, apenas para avanços nas reivindicações no campo econômico e educacional.

Mas porque exatamente a insurreição dos estudantes e trabalhadores franceses não se transformou numa revolução social, que transformasse radicalmente sa relações políticas, econômicas e culturais na França? O papel contra-revolucionário do PCF, com certeza é um fator importante, mas não é o fundamental, e explicar a derrota do Maio de 68 apenas com essa justificativa, é cair de certo modo em um oportunismo, que não nos permite enxergar que a causa principal da derrota reside nas próprias fraquezas do movimento, que não conseguiu superar suas contradições. A discussão essencial para compreender este tema, é entender as confusões existentes no debate sobre espontaneidade, organização e consciência.

Um falso dilema: espontaneidade versus organização

A lição fundamental deixada pelo Maio de 68 reside na discussão sobre a função da espontaneidade das massas, o papel da organização/partido e da consciência. Isso não nega outros elementos introduzidos pela revolta dos estudantes e trabalhadores franceses. A própria reaparição pública do anarquismo é um outro legado do Maio de 68, contudo, é bom pontuar que, o que reapareceu foi apenas uma parte do anarquismo, que servia para municiar o arsenal crítico que tinha como alvo o PC.

O anarquismo de 68, que muitos chamaram de “neo-anarquismo”, é ao mesmo tempo a negação do economicismo do PC para ir ao outro extremo, o culturalismo. É um anarquismo que deixa de se preocupar com as questões sócio-econômicas para ficar restrito aos trabalhos culturais. Rompe com o dogmatismo econômico para chegar ao dogmatismo cultural. Este anarquismo pouco tinha a ver com a tradição de um Bakunin, um Malatesta, um Maknho ou um Durruti.

Do Maio de 68 na França fica a lição de que não podemos contar apenas com a espontaneidade, nem podemos confundir todas as formas de organização como sinônimo de burocratismo. A consciência, acreditamos, joga um papel fundamental para qualquer luta, pois ela quem garante que possa haver conseqüência, acumulo. E é na própria dinâmica das lutas que ela é construída.


Jornal Socialismo Libertário - n° 17
www.vermelhoenegro.blogspot.com


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