quarta-feira, 14 de maio de 2008

Muito além da França: a revolta pelo mundo

Passeata dos 100 mil, 1968, Rio de Janeiro, Brasil.

Um pequeno resumo cronológico dos principais acontecimentos em diversos países permite um panorama da extensão da revolta, cuja eclosão, antes da França, começou em países como os EUA, Japão, Alemanha, Itália e Brasil. Nos três principais países imperialistas - Estados Unidos, Alemanha e Japão - ocorriam as mais fortes manifestações de protesto político desde o final da segunda guerra mundial.

Nos Estados Unidos, após um ano de 67 rico de protestos pacíficos, quando a contracultura, o psicodelismo, e os hippies se uniam com a "new left" e o movimento negro, na onda de festivais de rock, num espírito anti-guerra de "paz e amor", no que ficou conhecido na Califórnia como o "verão do amor", o ano de 68 mostrava que no coração do imperialismo a luta seria menos idílica do que a ingenuidade juvenil esperava. Em abril acontecia o assassinato de Martim Luther King, que radicaliza definitivamente o movimento negro, lançando um setor, o dos Panteras Negras, na luta armada. Ao mesmo tempo ocorre a ocupação da universidade de Columbia, desencadeando uma greve geral estudantil contra a guerra e o racismo nesse mesmo mês de abril. Em maio há uma marcha em Washington, em junho o assassinato de Robert Kennedy, em julho barricadas em Berkeley e a aliança entre o ativismo negro e o estudantil, com o acordo SNCC-Black Panther, em agosto/setembro a Convenção democrata em Chicago, que torna-se palco de combates de rua. Em 31 outubro, o presidente Johnson suspende os bombardeios do Vietnam do Norte, mas em 6 de novembro, Richard Nixon é eleito o novo presidente.

No Japão, em 18 de janeiro se realiza uma manifestação da Zengakuren, espécie de sindicato estudantil radical, contra a chegada do submarino atômico norte-americano Enterprise à base de Sasebo. Há intervenção da polícia com 90 feridos. Em 11 de março, estudantes da Zengakuren se manifestam contra a construção de um hospital norte-americano no centro de Tóquio, os choques produzem centenas de presos e feridos. Em 30 de março ocupam o hospital e há uma centena de feridos na desocupação policial. Em 15 de junho, 10 mil estudantes fecham o centro de Tóquio em solidariedade com os estudantes franceses. Em 9 de outubro, ocorre uma greve de 1 hora de mais de um milhão de funcionários e violentos choques em diversas cidades. Em 21 de outubro, há uma manifestação pacífica de 800 mil pessoas organizada pelos sindicatos no "dia anti-guerra" e choques violentos dos estudantes com a polícia.

Na Alemanha, o "Congresso Vietnam", proibido pelas autoridades, realiza-se em Berlim ocidental, e em 18 de fevereiro vinte mil manifestantes desfilam com bandeiras vietcongs da FLN. Em 11 de abril há uma tentativa de assassinato do líder estudantil Rudi Dutschke, nos protestos que se seguem a polícia é responsabilizada por dois mortos em Munique (um fotógrafo e um estudante), manifestações de solidariedade acontecem em Oslo, Roma, Viena, Amsterdam, Paris, etc. Em fins de maio, são ocupadas com barricadas as universidades em Munique, Hamburgo, Gottingen, Heidelberg, Frankfurt, e Berlim ocidental, entre outras.

Na Espanha, sob a ditadura franquista, os estudantes saem às ruas desde janeiro, há greves operárias após o primeiro de maio e no dia 17 deste mês na Faculdade de Filosofia de Madrid lutam durante três horas para impedir a invasão da polícia que queria retirar uma bandeira vermelha do alto do edifício, e durante todo o ano prossegue a agitação.

Na Itália, desde janeiro explodem os conflitos nas faculdades e escolas secundárias, com o centro dos acontecimentos em Turim e Florença, onde o reitor se demite em protesto contra a violência da repressão policial. Em fevereiro, a solidariedade aos estudantes de Florença espalha-se pelo país e há ocupações em Roma, a solidariedade aos estudantes franceses aumenta a temperatura durante maio, mas é ao final do ano, em outubro e novembro que a agitação estudantil atingirá o auge com ondas de ocupações de colégios secundários e de faculdades.

Na Turquia, em 15 de julho, a VI Frota norte-americana chega à Istambul, desencadeando uma onda de protestos estudantis contra a presença das tropas norte-americanas.

No Leste Europeu, os estudantes também mantinham uma reivindicação geral de apoio às lutas do terceiro mundo, mas a questão central era a reivindicação de liberdades democráticas. Na Polônia, é em torno da questão da liberdade artística que se catalisa o movimento estudantil e popular. Em 16 de janeiro, o governo resolve tirar de cartaz uma peça no Teatro Nacional devido "aos aplausos demasiado demonstrativos durante a última apresentação". Os estudantes fazem primeiro um abaixo assinado, depois realizam manifestações, há choques e prisões, e em 9 de março começam as greves e ocupações de faculdades. Grandes manifestações se espalham pela Polônia com a participação de operários. Após maio, com dezenas de presos e expulsos das universidades, o movimento arrefece. Em 21 de agosto ocorre a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia. Depois da resistência nos dias da invasão, com o suicídio público de protesto por imolação do estudante Jan Palack, o movimento estudantil resiste ao desmonte de suas representações autônomas e realiza uma grande manifestação em Praga em 28 de outubro e, em 7 de novembro, ocupam a universidade e fazem greve.

Na Iugoslávia, na noite de 2 para 3 de junho, se impede a entrada de estudantes num concerto de música pop, e há uma luta no qual um estudante é ferido. Na manhã seguinte, os estudantes saem em passeata no centro de Belgrado e enfrentam a polícia. À tarde numa assembléia de oito mil pessoas se decreta a greve e a ocupação. Em 5 de junho, a universidade é ocupada e denominada de "universidade vermelha", na fachada se colocam os cartazes de "Socialismo, liberdade, democracia" e "A revolução não terminou". Os estudantes atacam o que chamam de "burguesia vermelha". Tito opta por negociar e aceita parte das reivindicações, indo à televisão defender um acordo, enquanto os estudantes aceitam declarar que sua ação era inspirada no "pensamento revolucionário do camarada Tito". Após a invasão da Tchecoslováquia, em agosto, aprofunda-se a integração do movimento estudantil com o governo.

Na América Latina, os países onde mais incide a crise são o Brasil e o México. No Rio de Janeiro, a polícia mata o estudante Edson Luís em 28 de março. Abril se inicia com manifestações contra o quarto aniversário do golpe militar e com a greve operária de Contagem. Em junho, ocorre a batalha da rua Maria Antonia, em São Paulo, e a "passeata dos 100 mil" no Rio de Janeiro. Em outubro, o congresso clandestino da UNE em Ibiúna é desbaratado pela polícia. No México, após um turbulento ano de manifestações estudantis e populares, com passeatas de 200 mil pessoas, como em 13 de agosto, o movimento é duramente reprimido, cerca de duzentos estudantes são assassinados, em 2 de outubro, no massacre da praça de Tlatelolco, e o exército ocupa universidades e colégios.

Henrique Carneiro, professor do Departamento de História da USP e membro do Conselho Editorial da Revista Outubro.




www.pstu.org.br/especial68.asp


Nenhum comentário: