Um pequeno resumo cronológico dos principais acontecimentos em diversos países permite um panorama da extensão da revolta, cuja eclosão, antes da França, começou em países como os EUA, Japão, Alemanha, Itália e Brasil. Nos três principais países imperialistas - Estados Unidos, Alemanha e Japão - ocorriam as mais fortes manifestações de protesto político desde o final da segunda guerra mundial.
Nos Estados Unidos, após um ano de 67 rico de protestos pacíficos, quando a contracultura, o psicodelismo, e os hippies se uniam com a "new left" e o movimento negro, na onda de festivais de rock, num espírito anti-guerra de "paz e amor", no que ficou conhecido na Califórnia como o "verão do amor", o ano de 68 mostrava que no coração do imperialismo a luta seria menos idílica do que a ingenuidade juvenil esperava. Em abril acontecia o assassinato de Martim Luther King, que radicaliza definitivamente o movimento negro, lançando um setor, o dos Panteras Negras, na luta armada. Ao mesmo tempo ocorre a ocupação da universidade de Columbia, desencadeando uma greve geral estudantil contra a guerra e o racismo nesse mesmo mês de abril. Em maio há uma marcha em Washington, em junho o assassinato de Robert Kennedy, em julho barricadas em Berkeley e a aliança entre o ativismo negro e o estudantil, com o acordo SNCC-Black Panther, em agosto/setembro a Convenção democrata em Chicago, que torna-se palco de combates de rua. Em 31 outubro, o presidente Johnson suspende os bombardeios do Vietnam do Norte, mas em 6 de novembro, Richard Nixon é eleito o novo presidente.
No Japão, em 18 de janeiro se realiza uma manifestação da Zengakuren, espécie de sindicato estudantil radical, contra a chegada do submarino atômico norte-americano Enterprise à base de Sasebo. Há intervenção da polícia com 90 feridos. Em 11 de março, estudantes da Zengakuren se manifestam contra a construção de um hospital norte-americano no centro de Tóquio, os choques produzem centenas de presos e feridos. Em 30 de março ocupam o hospital e há uma centena de feridos na desocupação policial. Em 15 de junho, 10 mil estudantes fecham o centro de Tóquio em solidariedade com os estudantes franceses. Em 9 de outubro, ocorre uma greve de 1 hora de mais de um milhão de funcionários e violentos choques em diversas cidades. Em 21 de outubro, há uma manifestação pacífica de 800 mil pessoas organizada pelos sindicatos no "dia anti-guerra" e choques violentos dos estudantes com a polícia.
Na Alemanha, o "Congresso Vietnam", proibido pelas autoridades, realiza-se em Berlim ocidental, e em 18 de fevereiro vinte mil manifestantes desfilam com bandeiras vietcongs da FLN. Em 11 de abril há uma tentativa de assassinato do líder estudantil Rudi Dutschke, nos protestos que se seguem a polícia é responsabilizada por dois mortos em Munique (um fotógrafo e um estudante), manifestações de solidariedade acontecem em Oslo, Roma, Viena, Amsterdam, Paris, etc. Em fins de maio, são ocupadas com barricadas as universidades em Munique, Hamburgo, Gottingen, Heidelberg, Frankfurt, e Berlim ocidental, entre outras.
Na Espanha, sob a ditadura franquista, os estudantes saem às ruas desde janeiro, há greves operárias após o primeiro de maio e no dia 17 deste mês na Faculdade de Filosofia de Madrid lutam durante três horas para impedir a invasão da polícia que queria retirar uma bandeira vermelha do alto do edifício, e durante todo o ano prossegue a agitação.
Na Itália, desde janeiro explodem os conflitos nas faculdades e escolas secundárias, com o centro dos acontecimentos em Turim e Florença, onde o reitor se demite em protesto contra a violência da repressão policial. Em fevereiro, a solidariedade aos estudantes de Florença espalha-se pelo país e há ocupações em Roma, a solidariedade aos estudantes franceses aumenta a temperatura durante maio, mas é ao final do ano, em outubro e novembro que a agitação estudantil atingirá o auge com ondas de ocupações de colégios secundários e de faculdades.
Na Turquia, em 15 de julho, a VI Frota norte-americana chega à Istambul, desencadeando uma onda de protestos estudantis contra a presença das tropas norte-americanas.
No Leste Europeu, os estudantes também mantinham uma reivindicação geral de apoio às lutas do terceiro mundo, mas a questão central era a reivindicação de liberdades democráticas. Na Polônia, é em torno da questão da liberdade artística que se catalisa o movimento estudantil e popular. Em 16 de janeiro, o governo resolve tirar de cartaz uma peça no Teatro Nacional devido "aos aplausos demasiado demonstrativos durante a última apresentação". Os estudantes fazem primeiro um abaixo assinado, depois realizam manifestações, há choques e prisões, e em 9 de março começam as greves e ocupações de faculdades. Grandes manifestações se espalham pela Polônia com a participação de operários. Após maio, com dezenas de presos e expulsos das universidades, o movimento arrefece. Em 21 de agosto ocorre a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia. Depois da resistência nos dias da invasão, com o suicídio público de protesto por imolação do estudante Jan Palack, o movimento estudantil resiste ao desmonte de suas representações autônomas e realiza uma grande manifestação em Praga em 28 de outubro e, em 7 de novembro, ocupam a universidade e fazem greve.
Na Iugoslávia, na noite de 2 para 3 de junho, se impede a entrada de estudantes num concerto de música pop, e há uma luta no qual um estudante é ferido. Na manhã seguinte, os estudantes saem em passeata no centro de Belgrado e enfrentam a polícia. À tarde numa assembléia de oito mil pessoas se decreta a greve e a ocupação. Em 5 de junho, a universidade é ocupada e denominada de "universidade vermelha", na fachada se colocam os cartazes de "Socialismo, liberdade, democracia" e "A revolução não terminou". Os estudantes atacam o que chamam de "burguesia vermelha". Tito opta por negociar e aceita parte das reivindicações, indo à televisão defender um acordo, enquanto os estudantes aceitam declarar que sua ação era inspirada no "pensamento revolucionário do camarada Tito". Após a invasão da Tchecoslováquia, em agosto, aprofunda-se a integração do movimento estudantil com o governo.
Na América Latina, os países onde mais incide a crise são o Brasil e o México. No Rio de Janeiro, a polícia mata o estudante Edson Luís em 28 de março. Abril se inicia com manifestações contra o quarto aniversário do golpe militar e com a greve operária de Contagem. Em junho, ocorre a batalha da rua Maria Antonia, em São Paulo, e a "passeata dos 100 mil" no Rio de Janeiro. Em outubro, o congresso clandestino da UNE em Ibiúna é desbaratado pela polícia. No México, após um turbulento ano de manifestações estudantis e populares, com passeatas de 200 mil pessoas, como em 13 de agosto, o movimento é duramente reprimido, cerca de duzentos estudantes são assassinados, em 2 de outubro, no massacre da praça de Tlatelolco, e o exército ocupa universidades e colégios.
Henrique Carneiro, professor do Departamento de História da USP e membro do Conselho Editorial da Revista Outubro.
www.pstu.org.br/especial68.asp
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